Simenon, sempre de volta
- Renato Grinbaum
- 5 de set. de 2015
- 2 min de leitura

O estilo de Simenon pode ou não agradar. Ele produzia livros em série, o que pode ser sinal de uma pressa descuidada, ou de uma imaginação que não para de fervilhar. Parte de sua produção é pouco consistente e repetitiva, e seu estilo é seco e direto, pouco rebuscado, o que lhe dá uma certa vantagem ao focar sua prosa no personagem, e não na linguagem. Alguns de seus livros merecem ser lidos e debatidos, deixando à parte rótulos e preconceitos. A neve estava suja é um deles,ambientada numa provável França dividida pela guerra, Simenon constrói Frank, um personagem que guarda relação direta com Bartleby, com O estrangeiro e com Laranja Mecânica. Apressado ou não, Simenon aborda as mesmas questões. Um tema recorrente na literatura. Como poder-se-ia dizer? O Homem sem vontade? O Homem desenraizado. Em todos estes livros, o personagem principal, como todos nós, personagens pós-renascimento de fé retalhada, somos indivíduos sem uma instituição e sem um mito que nos religue. Quando muito temos a fé como cosmética, jamais como sacrifício e submissão, ao modelo da antiguidade e das civilizações que não cindiram a Igreja e o Estado. Frank é um rapaz que não se importa, não tem propósito. Daí sua maior motivação é o próprio desafio e a sua necessidade de buscar um modelo de comportamento para ser incluído em seu meio social, e também ganhar status nele. Este é o sentido de seus crimes. Ser bem visto no bar de Timo, ser respeitado por seu modelo, Kromer, o jovem criminoso. Não há o elo asfixiante da religião, nem mesmo a beleza do amor de Sissy, pobre garota que ele humilha sem qualquer ressentimento.Frank não se importa. Sua única vontade, ao que parece, é fazer o crime que o faça importante, ser preso como seus amigos. A sociedade, os elos, os princípios são inexistentes. Existem vínculos e esboços de remorsos, mas muito pouco. O que vale é o código do grupo, da tribo. Neste ponto Simenon se aproxima de Burguess. Em A Laranja Mecânica, Burguess deixa bem clara que nenhuma ideologia à direita ou à esquerda explica bem a natureza da violência e do ódio. Antes de qualquer coisa, a violência é o fruto da cultura, da relação entre pessoas desgarradas de vínculos sociais, inventando o ódio e o assassinato como linguagem de inserção e status de grupo. Incorporando materialismos históricos de um lado, e perversidades de outro como motores propulsores para a construção de uma cultura que não pode ser quebrada com prescrições simplistas.
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