Somente um pouco a acrescentar
- Renato Grinbaum
- 5 de set. de 2015
- 2 min de leitura

Muito, ou quase tudo já se disse a respeito de "O Castelo", de Franz Kafka. A modernidade de seu enredo labiríntico. Seu modo de lidar com o tempo. A característica de seus personagens, sem história ou cara, sem serem planos. A própria trajetória de K. em busca de entrar no castelo.
Existem dois aspectos que merecem uma discussão atual, pela sua pertinência e coerência com o momento atual.
Apesar de moderno, Kafka tem algo de fim de século XIX, de transição que até hoje é pouco aceito como ideologia. Continuamos querendo o novo, o moderno, a revolução. A inovação e o desassossego, o descarte do velho como motor. Nós mesmos seremos descartados. Nosso discurso nos faz velhos de nascença. Apesar de não citar a época, a aldeia que descreve Kafka provavelmente é sua contemporânea e, por conseguinte, moderna. Mas ela lembra a Praga do "Golem", de Gustav Meyrink. Medieval, de ruelas estreitas e casas antigas. Sombria e impenetrável como um labirinto. Em Kafka, nunca atingimos nada, há uma caminhada em corredores e sombras irônicas, e por isto mesmo assustadoras. A vila de Kafka é modernamente medieval. Assim como seu estado. As pessoas em seu individualismo e distância são modernas, mas ainda submissas a um estado totalitário que domina por meios mais sedutores. Por números, por cartórios, por regras. Kafka não viveu o bastante para viver o poder da propaganda e a sedução do prazer, como mordaças do indivíduo. O príncipe que não tem cara e o castelo impenetrável são o estado totalitário que parece diluído numa aparência de democracia. Seu pensamento neste ponto é condizente com Freud e Darwin, que não aboliram a fé na melhoria do mundo pela razão, mas mostraram que antes da razão existe um ser humano animal, irracional, se não biológico (Me perdoem, Freud acreditava no homem animal), que jamais será completamente eliminado do comportamento individual e coletivo.
Outro aspecto importante é a relação com o outro, tema extremamente caro a todo modernismo e ao que veio depois. Incluindo o inclusionismo rasteiro e o politicamente correto. Como diria Donald Trump, "não tenho tempo para o politicamente correto", vamos direto ao assunto.
K. é um estranho e por isto mesmo é repelido. A união e a identidade do povo da aldeia são construídos em torno da repúdia a K. O estranho não tem nome. Ou é o mesmo. Seus ajudantes, estranhos, são igualmente Artur, mesmo que não sejam. Ao mesmo tempo este outro que define é aquele que rapidamente ganha para si a amante de Klamm. O mesmo outro que nos ameaça é aquele que nos seduz. No mundo pós-renascimento, sem Deus e crenças que nos arrebatem, nunca estamos satisfeitos com o que somos e aquilo que não somos não nos ameaça até percebermos o que é. Precisamos viver de nostalgias e imagens. De crenças cridas por cada narciso para mover a sociedade.
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