Fora do autoflagelo
- Renato Grinbaum
- 20 de set. de 2015
- 2 min de leitura
A leitura de "Fora do tempo" não é uma experiência fácil. Qualquer texto escrito nas bases que Grossman se apoiou é uma potencial armadilha. Apesar de escrito como um texto medieval, construído em diálogos feitos de poesia, "Fora do tempo" é um livro sobre o luto. Não sobre qualquer luto, mas o seu próprio. A perda de um filho. As livrarias estão repletas de volumes impressos sobre o assunto. Poucos são realmente livros. Muitos são desabafos, são declarações de superação. Mas se a superação tivesse realmente ocorrido, o volume de páginas não teriam sido escritos. Sendo bem pessoal, não suporto este tipo de intimidade exposta em público. Não se trata de uma reflexão ou poetização do sofrimento, mas um transbordamento. A declaração da insuportabilidade da falta, acompanhada de uma racionalização, um deslocamento prescritivo, que se eficaz fosse, teria silenciado o sofrimento. Uma agonia que se faria tolerável se despertasse pena. Impossível. A falta é insubstituível e o sofrimento deste tipo de perda não se esgota.

Grossman não escancara sua intimidade, e se o fizesse, saberia tirar dela algo que seria além de um despejo. Em primeiro lugar, a forma de sua escrita é suficientemente literária, e não um reles depoimento tingido irregularmente de tonalidades. A fala e a construção de seus personagens carrega beleza e uma construção não sequencial da natureza da dor e da falta que vão além daquele nível rasteiro. Seu livro, por mais que tenha algum caráter de deslocamento, não é um autoflagelo, e em sua beleza reside a linguagem e a verbalização como o véu que transforma a perda e a dilue numa construção mais aceitável. "Fora do tempo" é a expressão mais artística do fenômeno de sublimação.
E às vezes eu faço joguinhos com ela, com aquela maldita, provocações verbais: “A morte morre”, eu pisco para ela, como se fosse um joguinho de nós dois: “A morte será morrida, ou talvez, se morrerá? Morrer-se-á? Morrificará?”. Conjugo com ela, pacientemente, mais e mais, tentando, repassando, “nós nos morrificamos, vós vos morrificareis, elas se morrificarão”, lutando com ela assim, que mais posso fazer, nem escrever nem viver, pelo menos a língua ficou, pelo menos ela ainda é um pouco livre. Permitida... é sábia…
Comments