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Afirma Tabucchi

  • Foto do escritor: Renato Grinbaum
    Renato Grinbaum
  • 27 de set. de 2015
  • 3 min de leitura

O que se afirma sobre "Afirma Pereira" nem sempre se confirma o que o livro realmente é. Nem mesmo o que digo pode ser firmado. O que todos falando, desde os mais sérios, até os mais pessoais e pretensiosos como pretendo escrever, trazem um pouco de quem lê para dentro do texto. Às vezes mais, às vezes menos.

No caso deste irônico e divertido livro, as visões são bastante conflitantes, para não dizer opostas,

e o máximo que posso fazer é dar a minha opinião e dar razão ao escritor, que é o único que tem o direito de dizer que entendeu mais profundamente o livro.Às vezes, mais, às vezes menos.

Alguns dizem que o livro é político, fazendo uma crítica ao totalitarismo e com menos emoção ao conservadorismo católico. Mais pela sua falta de coragem como oposição. Muito porque o livro do italiano se passa em Portugal tendo como cenário o salazarismo, o franquismo, e a era de extremos que se aproximava. Não é o bastante, nem mais nem menos.

Outros pensam de forma diferente. Afirmam que o foco de Tabucchi está no personagem, nos seus dilemas. Na sua postura com relação ao mundo totalitário. Nesta visão, até defendem o ponto de vista católico, que apesar de conservador, tenta ser oposição ao extremo através de algum equilíbrio. É a partir desta premissa que gostaria de divagar um pouco.

Em teoria, Pereira é um velho conservador. Com mil ironias. Foi repórter policial por trinta anos para depois assumir o suplemento cultural do jornal que trabalha, o Lisboa. Tabucchi não dá ponto sem nó. Seu personagem é gordo, quase asqueroso, mas não antipático.Ele procura manter a estabilidade da sua vida e de seu trabalho, neste ponto ele é conservador. É uma ação retrógrada buscar estabilidade e tranquilidade sem sobressaltos? Qual ser humano gosta de mudanças contínuas, revoluções e instabilidades contínuas? Neste ponto, o progressismo imponderado de direita e de esquerda são incompatíveis com a tranquilidade do ser humano comum, alinhados com o espírito mais comercial do capitalismo, que exige a transformação contínua para gerar bens que são descartáveis. Mudanças ininterruptas são boas para quem tem mais, não menos.

A ambiguidade que é de certa forma a chave do livro começa com a contratação, pelo conservador Pereira, de Machado Rossi para escrever necrológios. Mas Rossi não é um conservador, e Pereira sabe desde o início. É um republicano que apoia a revolução na Espanha. Gosta de iconoclastia, busca provocar e quer o desafio. Pereira quer a sua presença, mas sempre tenta freá-lo, não porque concorda com o regime autoritário, mas porque não acha conveniente cutucar onça com vara curta. A posição de Pereira, e de sua forma de conservadorismo é desenhada por Tabucchi não como uma tentativa de retrocesso ou de autoritarismo. Isto fica claro nas posições políticas assumidas por Pereira. Apesar do aparentemente alinhamento com forças retrógradas, o jornalista afirma em diversos momentos sua discordância e até pavor com as posições de Salazar, Franco, e Benedetti, escritor alinhado com o fascismo.

Rossi é o personagem progressista, palavra, mas é Pereira quem faz a transformação. Quando necessário, para manter a estabilidade e os princípios. Esta é a graça do livro, não tanto criticar explicitamente uma linha política ou outra, mas as olhos de um leitor curioso, Tabucchi parece querer mostrar que o mundo não é feito de antagonismos maniqueístas tão simples, mas de espectros e tons de posição bem mais complexos, mais para mais do que para menos.

Uma outra graça do livro são as referências aos escritores do início do século, a oportunidade de discutir seu posicionamento político nos necrológios escritos por Rossi. Esta ironia e leveza tornam o livro fluido e divertido, ao mesmo tempo que consistente.

Pode ser pessoal, mas acredito que Tabucchi percebe em seu livro que as atitudes éticas são mais significativas que as ideológicas.


 
 
 

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