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Eles eram muitos comentários

  • Foto do escritor: Renato Grinbaum
    Renato Grinbaum
  • 23 de dez. de 2015
  • 5 min de leitura

'Eles eram muitos cavalos', de Luiz Ruffato foi lançado em 2006 e agora, após 10 anos e uma releitura atenta, é interessante refletir sobre a trajetória deste brilhante livro. Mas ao invés de tecer comentários pessoais ou olhar a crítica especializada, preferi recortar fragmentos daquilo que dizem as mídias sociais (Trechos de resenhas extraídas do Skoob).


"Eles eram muitos cavalos não é um livro fácil de ler ou de comentar. Não há uma história continua, ao mesmo tempo que é a história de um dia comum em São Paulo. (...)O livro foi dividida em textos curtos. Crônicas? Contos? Não se sabe. O autor mesclou diversos tipos textuais, então encontramos desde folhetos de propagandas a listas. Para quem está acostumado com o estilo "mais clássico" de Literatura, pode achar bastante confuso."


"Concluindo, o livro é complicado de ler, nem todo mundo gosta, nem todo mundo entende. Parece qualquer coisa menos Literatura, mas talvez por isso seja tão interessante. É uma representação da realidade quase naturalista, mas juntando os vários tipos textuais que encontramos quando, por exemplo, andamos em um dia comum pelas ruas."


"Eu li diversas críticas relacionadas à este livro, no entanto, discordo de várias delas. Muitos diziam "Essa é um livro sem pé nem cabeça" ou "Ele escreve qualquer coisa e coloca nos contos, como por exemplo, um anúncio de classificados". Primeiramente, devemos ter ciência de que este é um livro de contos e não um romance ou uma novela, sendo assim, as histórias não se dão de forma contínua e, em vários momentos, o autor não escreve o final da história e deixa este para a imaginação do leitor deduzir. Achei esse recurso muito interessante e, com certeza, me fez divagar por todo o texto imaginando situações diferentes. Além disso, Ruffato usa formas diferentes como cartas, classificados, estantes de livros para explicitar quantas vezes somos bombardeados de informações no nosso dia a dia e são coisas tão banais que não nos damos conta. Apesar das várias críticas que li, achei o livro muito bom de se ler e de compreensão mediana."


"Dessa forma os episódios se sucedem entre o humor e a crítica social: ora se demoram, provocam náusea e revolta, ora são breves-muito-breves e deixam o leitor a desejar que a narrativa torne à moça que sonha, ao médico que se recusa a operar o assaltante de sua casa, ao casal que decide ir a uma casa de swing, à secretária eletrônica de uma amante descoberta. Mas ela nunca torna; e de cada personagem não sabemos mais os seus nomes ou sua origem, como adverte a epígrafe retirada ao "Romanceiro da inconfidência". Como pedaços de um complexo mosaico, os episódios de "Eles eram muitos cavalos" se encaixam idiossincraticamente: emendam-se para formar uma obra que não é só "romance", mas uma elaborada sinédoque da vida nas metrópoles, reino de infinitas possibilidades para a ficção."


"A linguagem, ao se utilizar de diferentes linguagens, ao se fragmentar entre as vozes a que dá voz, também chama a atenção para a importância do questionamento, da relativização mesmo da cultura dita “oficial”. Até que ponto o ser humano deve almejar apenas o que os meios oficiais de conhecimento consideram “superior”? Somos múltiplos e torna-se urgente aprender a ver e compreender a amplitude da qual fazemos parte.

Fragmentar o texto é, de certa forma, reconstruir e reaproveitar seu sentido, mas, principalmente, é impedir o cerceamento, a limitação, o encarceramento da linguagem em uma ideologia ou visão de mundo. E, assim, é uma forma de fugir do controle."


"Intencionalmente chato. Chato! Chato! Chato! Pretensioso! Chato!"


É interessante ouvir a diversidade de opiniões geradas pelo livro após dez anos, de certa forma mostrando o incômodo que gerou. Se lermos com detalhes, tanto os comentários elogiosos como os ofensivos não discutem o cerne da proposta literária de Ruffato, no máximo esboçam alguma opinião sobre a técnica literária fragmentária e sua oposição à linearidade que foi quebrada já nos primórdios do modernismo. Nada além disto.


Não acredito que Ruffato tenha tido a intenção de criar tum tratado de estética, e não de arte. Curiosamente, sua expressão literária parece passar longe da compreensão dos leitores. Sabemos que existem obras feitas para artistas, numa discussão mínima e circular sobre estilo. Estas obras não são direcionadas ao público, ou até desprezam o leitor comum. Mas aí não temos arte, e sim o tratado de proposições. Vamos supor, que é o que acredito, que Ruffato escreve arte, que musicaliza seu pensamento num fluxo que pode ser sentido e compreendido pelo leitor.


A leitura dos comentários a respeito do livro nos traz de volta uma discussão que parecia estar morta. Existe arte alta e arte baixa? Existe uma arte que poucos possuem o dom de compreender, e que é transformadora por subverter a opressão e a imposição da realidade. E seu oposto, existe mesmo uma arte que não é arte, é diversão a serviço da conformação?


Se toda arte for polar, visando a comunicação entre dois extremos, o autor e o leitor, como os comentários dão a impressão, então existe uma literatura da exclusão, feita por elite preparada, uma meia dúzia que produz para si mesma, e, propositalmente propõe uma mudança que nada transforma, somente segrega. A transformação, ao contrário, seria nociva, pois desbancaria o status de elite cultural. Vamos lembrar que a oposição à linguagem massificadora, o ódio à elite branca é um fenômeno característico da elite branca. A arte, na verdade, é um fenômeno impregnado na pequena burguesia.


Existe também, nesta visão, uma massa que usa a sua arte como alívio ou forma de congregação. Num certo sentido, a arte popular, por mais ridícula e vulgar que seja, é um fenômeno de unificação de linguagem, de certa forma uma religião. E por mais baixa que pareça, tem o poder de toque e de sublimação, fenômenos importantes para se iniciar um processo de transformação. Mas o pior é atribui a aqueles que gostam da 'arte baixa' um menor status cultural ou intelectual. Esta segregação em nome da justiça é absolutamente perversa em todos os aspectos de sua contradição.


Reconheço que gostei de 'Eles eram muitos cavalos', mas com dificuldade. Tive que me entregar à leitura, procurar adaptar a faceta mais intelectual da minha mente ao livro de Ruffato. Não é uma arte que se aprecia imediatamente com o coração, ela demanda mergulho e entrega. Num escritor talentoso como Ruffato, não vemos o desejo da experimentação como o fim por si só ou a necessidade da segregação por uma elite de iniciados. Ainda assim, textos que exigem são frequentemente hostilizados. O que não se percebe sem este esforço inicial, é o quanto emotivo e lírico é o romance que muitos abandonam.

 
 
 

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