A música de Evandro Affonso
- Renato Grinbaum
- 15 de fev. de 2016
- 3 min de leitura
“Os piores dias da minha vida foram todos” é o terceiro de uma nova fase de Evandro Affonso Ferreira. Autor premiado e de nem tanta visibilidade, a cada livro que publica mostra mais solidez num estilo o qual é aparentemente único. Aparentemente, pois caminha junto com muitos autores que escreveram por seus parágrafos.

Evandro é um outsider. Está perfeitamente encaixado entre os escritores, mas não é jornalista, não tem grandes marqueteiros por trás de seus passos e nem se coloca como um ser melhor dotado intelectualmente como muitos orgulhosos de sua arte. Evandro vem de duas vivências, a sua, pessoal, a dos livros, pelos quais mostra paixão e profundo entusiasmo. Uma erudição natural, nada de busca de classificações, de sentidos e de superioridades. Evandro não vem de uma terceira vivência, uma linhagem que sempre sem preocupou em galgar degraus, sem ter o cuidado com o chão batido que os sustenta.
Evandro Affonso ganhou o prêmio Jabuti. “O Mendigo que Sabia de Cor os Adágios de Erasmo de Rotterdam”. Já vinha de reconhecimento e prêmios com Araã, Grogotó , Catrâmbias, entre outros. Dois momentos diferentes de escrita. Mas o mesmo Evandro. O que ele tem de mesmo, que ao contrário de Heraclito, não muda, mas se transforma, é o homem que narra o sofrimento, a dor, a morte. É a busca da beleza, mais do que a filosofia ou a lição prescritiva. Em seus livros, Evandro encontra música no sofrimento. Recheia-os de erudição, neste último, a mais Helênica de todas elas. Evandro nasceu em Atenas ou Tebas, alguns milênios atrás.
Existe o Evandro que se transforma, se não muda. Em seus primeiros livros, a musicalidade estava acima das palavras. Com seu dicionário de palavras mortas criou um universo não para ser compreendido, pelo menos não como seu principal meio. Evandro buscou a beleza pura. Chamou para seu lado Hermann Broch, Guimarães Rosa e Bruno Schuz. Outros mais, mas estes atenderam ao chamado mais rapidamente. Agora não, ao invés do canto, preferiu o coral. Harmonizou de forma perfeitamente coerente as duas vertentes mais fortes de sua prosa, a musicalidade que precisava ser decifrada com a ansiedade do leitor em musicalizar sua própria angústia que move a leitura. Seus últimos três livros são a perfeita harmonia destas duas leituras. Broch ainda o acompanha, mas Beckett juntou-se ao grupo com entusiasmo, Sofocles. E mesmo outros que caminham trilhas diferentes, como Thomas Bernhard e Proust. Toda a literatura deseja andar junta.
Não devemos ficar presos à musicalidade, se o ficássemos, estaríamos juntos à toda arte que anestesia a voraz humanidade, quando a música interior está em confluência com a que vem de fora. A música de Evandro Affonso é estranha, e só por isto nos move. Suas canções não são feitas de notas, mas ideias. Em “Os piores dias da minha vida foram todos” a ideia da morte e da irrelevância da vida constrói um andante nada dissonante, mas inesperado.
“Os piores dias da minha vida foram todos” narra vida paliativa de uma mulher e sua angústia, portadora de um tumor, caminhando em São Paulo e descobrindo a música da morte que a levará. Sua personagem é Antigona, a transitoriedade e irrelevância da vida. Somos pequenos, transitórios. Nada permanecerá, por mais que tenhamos esperança, este palácio de folhas caídas que será levado pelo vento ou simplesmente desaparecerá, carcomido pela sua própria acidez. É na presença da morte que surge a beleza, feita encantada para tentar nos dizer que não chegará. É deste sofrimento que chega a musicalidade de Evandro Affonso. Apesar de toda tragédia, “Os piores dias da minha vida foram todos” é uma música que traz grande conforto.
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