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Duas perdas

  • Foto do escritor: Renato Grinbaum
    Renato Grinbaum
  • 10 de mar. de 2016
  • 2 min de leitura

‘Morreste-me’ e ‘Caderno de um ausente’. Dois livros não correlatos, mas bastante próximos. Guardam muito em comum. José Luiz Peixoto, autor do primeiro, é português. Carrascoza é paulista, seu livro foi finalista do Prêmio Jabuti de 2015, e tê-lo ganho não teria sido nenhuma surpresa.


As origens, estilos, citações aparentemente são distantes. Ilusão.Ambos os livros abordam o mundo afetivo, as relações entre pais e filhos de forma íntima, afetiva, sem grandes ações no enredo, mas com grande riqueza narrativa emocional. Descrevem as dificuldades no relacionamento entre pai e filho em momentos extremos, relatando a realidade interior, o fluxo de pensamento e o encadeamento de sensações. Em especial a da perda. Um risco. Poderiam ter debandado para o melodrama e a emoção apelativa. Imediata, banal. Ambos souberam buscar o equilíbrio sem perder a beleza irracional dos textos.


Carrascoza fala do nascimento da filha. Ele antecipa não só o que sente com relação a ela, mas o que sentirá no futuro. Como ela se distanciará, como ele será substituído na proximidade até que ela o perca definitivamente. Falando de uma distância de décadas,

ele busca a proximidade, antecipa sua perda. Traz a morte que é o significado do nascimento da nova vida - daí ficar muito longe do banal, do kitsch. Ele se pergunta, o que será de Bia, sua filha, quando grande, e quando ele se for, quando mais que memória, ele significar perda. Registra tudo em um caderno, o nascimento da filha, seu crescimento ainda remoto, e a morte do pai. Carrascoza consegue mostrar aquilo que poucos se permitem perceber. O homem perde seu senso de perenidade com o nascimento da sucessão, ele se entrega à vida do outro

para continuar a sua, ainda que preparando seu futuro como reles memória


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Peixoto vai ao outro extremo. Numa linguagem igualmente lírica, com seu senso particular de beleza, ele fala da perda do pai. Do filho mantendo a memória que mantém a vida. Os arrependimentos e distâncias que se dissipam, quando a memória resgata o valor e substitui a vida. A morte do pai é sobreposta pela vida que existe enquanto o filho se lembra. É um livro curto, mas denso, cheio de sugestões sobre a posteridade e a permanência, sobre o sentido na vida na criação de um novo temporário. Assim como Carrascoza, Peixoto opta pelo íntimo para abordar não necessariamente a dor que nasce da relação entre pais e filhos, mas para nos deixar intranquilos como o sentido da vida e mesmo com a transitoriedade daquilo que nos parece ser a semente da duração. Somos enquanto alguém se lembra.

‘O caderno de um ausente’ e ‘Morreste-me’ de certa forma sáo lados opostos do mesmo barbante. Enquanto um inscreve a morte na vida do filho, o outro inscreve a vida do pai na memória. Existe morte em cada sílaba de vida. Ela é o próprio sentido, é ela que nos tortura e faz com que exista o movimento.

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