Um romance sem heresias
- Renato Grinbaum
- 23 de set. de 2016
- 2 min de leitura
"Hereges", de Leonardo Padura, não tem nenhuma relação direta com "O

homem que amava os cachorros", mas espiritualmente é uma continuação. Temos o mesmo livro quase policial, o detetive conde, e uma trama cheia de pesquisas históricas envolventes. Mais uma vez Padura é hábil, e seduz muitas vezes de forma brilhante contado a história do navio Saint Louis, que levava judeus para fora da Alemanha em 1938, e a proibição de ancorar em Havana, como antes acordado.
Padura reconstrói o episódio brilhantemente. Entra na mentalidade do judeu sempre renegado, inseguro, de uma forma brilhante. Captura a questão da identidade, central para os judeus, como poucos conseguiram.
Mas o livro, embora muito bom, tem problemas exatamente com a identidade. Ele é dividido em três seções, e quando você pensa no estilo do livro, é sinal que ele não te envolveu o suficiente.
Na primeira seção,
ele introduz o detetive Conde e escreve de forma límpida, mesmo com grandes digressões sobre o sentido da vida e sobre a identidade judaica. O detetive tem que investigar o sumiço de uma obra de Rembrandt, que vinha com um dos passageiros do Saint Louis e que reaparece num leilão em 2007. Este terço do livro é brilhante e envolvente. Sua alternância de épocas nem é sentida, flui com toda a habilidade de Padura.
Na segunda seção, há uma quebra. Padura reconstitui a Holanda de Rembrandt em busca da história do quadro perdido. O texto passa a ser linear e direto, com exagero de detalhes desnecessários, o que torna esta seção cansativa. Um certo exagero, mas esperado. Hoje ainda está em voga aquilo que pode ser chamado de "Bioficção", biografias ficcionadas, o relato ficcional de personalidades históricas. U(ma espécie de "Caras" literária. Dependente de erudição e estilo, inventividade mas raramente criatividade ou ideias autênticas. Padura não foge deste clichê, por mais interessantes que muitas cenas sejam. Por fim, quando se espera uma volta à narrativa original, Padura constrói uma história policialesca, linear e simples para fechar o romance. Uma obsessão, fechar a narrativa, encerrar as questões. São três romances em um só, mas não é uma oferta de fim de estação, liquidação de estoque. Padura quer agradar demais e troca sua intuição pelo olhar dos outros. Ainda assim, o livro é bom e vale a pena ser lido. Especialmente pela sua brilhante caracterização da identidade cindida da cultura judaica e sua brilhante finalização associando as heresias dos diversos personagens.
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