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Um leitor verdadeiramente insuportável

  • Foto do escritor: Renato Grinbaum
    Renato Grinbaum
  • 18 de out. de 2016
  • 2 min de leitura

Muitas vezes nem eu mesmo me tolero. Acho que não devia ter saído do útero para desenvolver senso crítico e uma boca que muitas vezes não consegue se conter. Acabo a leitura de 'Enclausurado', de Ian McEwan, muito porque pretendo assistir a um debate com o autor. Normalmente não leria.


Tenho boas lembranças de McEwan. Reparação

é um livro com ar de Henry James, e com certas pirotecnias elegantes transfigurando o foco narrativo que engrandecem o romance. Ele escreveu muitos outros romances que não chegaram nem mesmo a despertar uma gestação de desejo, livros aparentemente bem escritos mas comuns, que não cheguei nem mesmo a folhear em livrarias.

'Enclausurado' nasce de uma forma diferente, um foco narrativo inédito - um feto- com todas as possibilidades que a ideia pode gerar. Boas ideias nem sempre geram bons livros. Ideias muitas vezes medíocres sim. Comentei aqui 'Stoner'. Uma obra prima erigida do nada.


Não tenho a intenção de bajular só porque o livro está bem faladinho. Solto minhas amarras vocais prefiro minha vocação de insuportável. Tecnicamente McEwan é perfeito. História linear construída com perfeição, suspense, nenhum erro,ao contrário, os defeitos são minimizados, as contradições passam bem ao largo. Às vezes o feto sabe a cor do vestido da mãe, outras fala que não sabe como é a imagem do amante dela. O feto vê e não vê o mundo de acordo com a relevância do momento.


O humor é britânico, mas óbvio. Esperava que McEwan conseguisse ser mais sutil nas descrições de sexo, mas a sutileza não é nem mesmo pretexto. A boa

ideia que poderia ser aproveitada para algo brilhante, como ironizar a partir de focos de narração, ou gerar mais dilemas éticos, é somente pretexto para uma divertida história de suspense. McEwan é hábil, você não,consegue largar a leitura, mas a nossa demência fica escancarada rapidamente, pois em poucos dias já não me lembrarei que li um livro narrado por um feto. Como não me lembro de gênios que fizeram intensas pesquisas para descrever a vida amorosa perversa de celebridades do passado, ou gênios do futuro, que escrevem romances metalinguísticos com estrutura em espelho octagonal, narrando o amor de final de férias perdido na distância. Pelo menos McEwan é leve e divertido, ajuda a passar o tempo. Perfeito para leitura numa festa de natal chata, ou enquanto espero minha próxima encomenda de um livro menos inventivo. Querer ser inventivo demais, criativo, inovador, é uma boa forma de mostrar para mamãe que a gente é inteligente. Difícil é fazer nossa inteligência dizer algo para os outros.

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