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Opinião, julgamento e discriminação

  • Foto do escritor: Renato Grinbaum
    Renato Grinbaum
  • 2 de abr. de 2017
  • 4 min de leitura

'O tribunal de quinta feira', de Michel Laub, é um romance que aborda um tema essencial, a opinião em julgamento. Assim como a 'A marca humana', de Philip Roth. Ambos discutem um dos maiores mitos da

atualidade, o moralismo mais conservador, repleto de boas intenções mas conteúdos mal compreendidos. Travestido de inclusão de minorias. De repressão dourada como respeito.


Em 'A Marca Humana' Roth destrincha detalhadamente a vida de um professor cuja carreira é destruída pela interpretação equivocada de uma afirmação sua - chama negros de Spooky, termo antigo e

inocente, mas com segundo significado. As contradições da personalidade do professor, a necessidade de expressão de ódio antes reprimido entre seus colegas, em especial de uma francesa repleta de amor não correspondido e inveja, e a proteção fascista da palavra dominam a amargura de Philip Roth pelo politicamente correto. No final do livro estamos intranquilos, convencidos que o controle das expressões agressivas, irônicas e dúbias faz parte de um controle do indivíduo que visa esconder a intimidade muitas vezes amoral do mundo coletivo. Um mundo cheio de aparência de respeito e uma diversidade que não aceita ser sublimada, criando um clima de um puritanismo repressor, inconcebível até mesmo para os próprios delatores. Michel Laub se aproxima muito desta discussão mas discute alguns pontos de forma diferente. Seu personagem, José Victor, é um publicitário envolvido em uma vingança promovida pela sua ex-esposa, que divulga seus emails pessoais com um amigo homossexual e soropositivo. Os emails são por um lado despretensiosos, conversa de amigos antigos, por outro lado repletos de comentários politicamente incorretos e mordazes sobre diversos personagens do livro. O publicitário é submetido a um linchamento moral.


Os dois livros abrem as portas para diversas discussões, e creio que algumas deveriam ser destacadas. Especialmente em 'O tribunal de quinta feira'. Qual é o motivo, o sentido moral do julgamento de José Victor? Ele não fez nenhum ato imoral ou desafiou regras. Ele se expressou, de forma privada. Ele comentou, somente para seu amigo, através de emails, frases cortadas, de alguma forma menosprezando o comportamento sexual dos outros, muitas vezes de forma bastante pejorativa. Ao que parece, a geração do início de milênio tem um moralismo da palavra, um moralismo invertido. Não um moralismo dos atos. Ao contrário. Esta geração parece pertencer ao seu próprio Id. Ela não pode ser limitada. Se uma pessoa acha que nasceu no corpo errado, a sociedade (e seu superego) não podem conformá-lo, muito menos repreendê-lo. Ele tem que viver o que sua consciência acredita, ainda que a própria natureza diga que esta vida é em parte possível, em parte ilusão. Errado é falar mal, 'discriminar', limitar o direito de viver essa consciência muitas vezes fantasiosa. O ato em si deixa de ser moralmente reprovável, especialmente se feito em particular e com o consentimento, palavra chave para esta geração de personalidade instintual.


Todo amor, todo interesse, é assédio, até prova em contrário. Um olhar é assédio, pois pressupõe consentimento. Ainda que este olhar precise ser previamente solicitado em três vias registradas em cartório. Este é outro ponto, nenhum ato, ou quase nenhum, é imoral, visto que pode ser

consentido. Com exceções, como a pedofilia, entre outros, pois acredita-se que o menor de idade não está preparado para consentir. Se temos uma evolução na proteção de direitos, por um lado, temos uma individuação, uma nucleação dos indivíduos que demandam o espaço público como lugar para proteção dos comportamentos privados, não para convivência com padrões comuns. O espaço privado tem que ser inviolável, quando no passado, as pessoas deveriam replicar em sua privacidade, de forma coerente, seu comportamento público.


De certa forma temos, no livro de Laub, algo assustador como 'Black Mirror'. O julgamento moral não mediado pelo estado, hoje visto somente como corrupto e opressor. Sem este estado, atingimos a liberdade como núcleo individual que visa o prazer. A liberdade que nos é oferecida, de comunicação, de hedonismo e busca do prazer, de expressão de uma individualidade meramente estética esbarra numa regulação mais terrível que a totalitária de Orwell. Algo que Hitler tentou promover. O julgamento moral feito pela população comum. Como em 'Black Mirror', as pessoas são avaliadas com notas e pessoas com expressão indesejável são excluídas. Somos vigiados pelos amigos e vizinhos, mas somos felizes pela marca das roupas e pelas opções sexuais. Pouco usamos o espaço público para ir além dos direitos civis, destas opções. Não discutimos as questões públicas que não nos pertencem, fazemos gentilezas e atos de bondade para purificar nosso egoísmo. Excluímos com nosso egoísmo os que se expressam com diferença, e encaramos com grande passividade, se não naturalidade, as regras de um jogo que favorecem cada vez mais uma minoria, deixando de troco para a quase extinta classe média a opção sexual gratuita, que não fere o interesse econômico de ninguém.


Voltando ao livro, temos que entender que se o novo moralismo visa a expressão, e não o ato, temos que nos reprimir de qualquer julgamento? Como vamos entender a diferença entre pessoas, partidos, ideias, se não podemos julgar? Compreender o que há de bom e mau em cada um dos personagens que cruzam nossa vida? O julgamento, ou a opinião, não podem servir para exclusão ou maldade, mas discriminação deveria significar distinção, posicionamento. Se perdemos isto, e aceitamos tudo, então estaremos submissos a um mundo sem regras, favorável a aqueles que têm capital o suficiente para não depender de opinião. O moralismo venceu as ideias.


 
 
 

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