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Tristes semelhanças

  • Foto do escritor: Renato Grinbaum
    Renato Grinbaum
  • 10 de abr. de 2017
  • 3 min de leitura

'Complô contra a América' é um excelente, mas não o melhor livro de Philip Roth. Mas ganhou notoriedade no final de 2016 com a surpreendente eleição de Donald Trump para presidência dos Estados Unidos. Muitos disseram que Philip Roth havia antecipado esta eleição. No livro, as eleições americanas de 1940 teriam tido dois candidatos, Rossevelt e o ultra-direitista, pró-nazista Charles Lindbergh, que acabaria vencendo, aproximando os Estados Unidos a um regime anti-semita e autoritário sob a máscara do pacifismo e democracia.

Muitos argumentos de Roth, suas observações sobre o espírito americano e sua democracia coincidem com a eleição de Trump. O favorito democrata foi desbancado, muito em torno do discurso do isolamento americano e seu distanciamento

das questões mundiais. Mentira eleitoreira, os Estados Unidos não se isolam. O que no livro de Roth destoa da realidade de Trump é a postura de submissão de Lindbergh a uma potência estrangeira, relegando de certa forma os Estados Unidos a uma posição secundária no cenário internacional. Da mesma forma, o autoritarismo e o discurso hipócrita, populista, do presidente real e ficcional são muito próximos, mostrando a facilidade de sedução do eleitor americano, especialmente quando se fala na paranoia em torno de perda da sua 'liberdade', de sua livre iniciativa. Mas quem disse que autoritarismo é liberdade de escolha? O livro de Roth centra seu foco na aproximação dos Estados Unidos com o anti-semitismo, e a facilidade de despertar sentimentos xenofóbicos na população americana. O racismo e o segregacionismo são facilmente despertáveis na maior parte dos países, podendo ser uma grande ferramenta do poder. Ele mostra pouco outra aproximação possível entre o nazismo e a democracia hiperliberal americana: a aproximação econômica. O nazismo oscilou entre um 'socialismo' caracterizado por medidas populistas que minoraram a crise pós-primeira guerra e um favorecimento intenso ao grande capital, usando inclusive a máquina de guerra (à semelhança de Eisenhower) em favor das grandes empresas. Nesta perspectiva, as semelhanças não param aí. A democracia americana é uma ilusão de liberdade, é na verdade um teste de múltipla escolha pré-determinada. Obviamente melhor que uma autocracia onde só há um ponto de vista. Mas não esqueçamos que o americano também só aceita um ponto de vista: o contrário ao estado, o defensor do individualismo. Mas o partido que se vota, a marca do carro são objetos de livre escolha. Assim como o direito de ir e vir e o de expressão, ainda que monitorado pela NSA e todas as ferramentas na internet. No nazismo, o capital deu sustento a um estado totalitário, que tem como uma das características a desindividualização, a entrega do indivíduo ao estado e submissão religiosa à máquina. Na verdade, o estado totalitário substitui a religião. No capitalismo americano tanto a submissão quanto a religiosidade também existem. Deus é substituído pelo capital, as corporações como igreja. O indivíduo se submete às empresas entregando sua individualidade, sujeito às intempéries divinas num fervor religioso. Sujeito a agressões disfarçadas em palavras suaves, como fazia muitas vezes o nazismo, e delegando a culpa ao indivíduo. Pecadores são os que fracassaram, que não galgaram posições ou tiveram progressão econômica. Culpa da inteligência emocional, da falta de resiliência e flexibilidade. Perversamente, a liberdade americana é uma forma disfarçada de entrega a uma entidade abstrata, não a religião ou o estado, mas o capital. Difícil é saber se é possível um modelo que seja menos opressor, ou saber se o ser humano tem uma tendência à entrega a uma entidade paternalista. Qualquer que seja a resposta, Hitler, Lindbergh e Trump mostram a fragilidade assustadora do ser humano.

 
 
 

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