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Meu nome tem várias cores

  • Foto do escritor: Renato Grinbaum
    Renato Grinbaum
  • 24 de out. de 2017
  • 2 min de leitura

Orhan Pamuk ganhou o Prêmio Nobel, o que não quer dizer que é universalmente admirado. Muitos o consideram seco e longo demais, entediante. Seu romance 'Neve' muitas vezes é citado como exemplo desta dificuldade. 'Meu nome é vermelho' poderia ser pior. Mas não é. Ao contrário, é um livro brilhante, e após um período de habituação, é fantasticamente delicioso.



Toda a dificuldade de leitura deste livro vem do fato de sua escolha de foco narrativo. Apropriada para o tema, mas difícil, num primeiro momento. Cada capítulo é narrado por um observador diferente, inclusive um cachorro ou um cadáver. Esta aparente falta de foco leva o leitor inicialmente a uma sensação de falta de chão. Não foi diferente comigo. À medida que me irritava, anotava num papel o nome dos personagens e o que tinham narrado. Rapidamente percebi que o enredo transcorria linearmente, sem nenhuma ida e volta. A partir do momento que percebi a linearidade, o livro se tornou fácil e não foi necessário nenhum recurso para esgotar rapidamente este romance brilhante.


Por que escrever com múltiplos focos? Ego do autor? Pode até ser, mas existe um outro lado. Nenhuma outra sociedade aceita a visão do outro mais do que a ocidental. Não precisamos chegar ao pós-modernismo. Foi assim na conquista do México (Todorov). Ao eliminar Deus do centro do universo, a divindade passou a residir no olhar do Outro. Assim nos passamos a ser (Freud, Lacan). Através do olhar do outro. Este é o tema do outro.

O enredo é uma novela policial, a investigação de um assassinato. Mas numa camada imediatamente abaixo surgem as questões mais importantes, muito fortes na Turquia, onde estas visões colidem fisicamente. Por um lado uma sociedade pós-renascimento, com o Homem no centro da existência. Por outro, uma sociedade onde Deus é a lei e o sentido de tudo.


Pamuk se baseia muito em estética e técnica para diferenciar as duas culturas. O conflito que gera o assassinato gira em torno das discordâncias na criação de ilustrações de um livro. Por um lado, o estilo veneziano, que permite que o rosto tenha individualidade e expressão, e que o autor possa ser identificado por seu estilo. Por outro lado, as técnicas árabes e persas, que preservam a forma por séculos sem que se permita uma variação que permita perceber o personaqem com personalidade própria, com beleza maior que Deus, e muito menos que leve ao artista a ter uma existência autônoma.


'Meu nome é vermelho' põe em conflito as sociedades que passaram e não passaram pelo renascimento, uma sociedade secular e outra arraigada na instituição religiosa. Sem mitificações, sua sociedade liberta de Deus é solitária e competitiva. Sua visão da sociedade religiosa é a da presença de um grande ciúme e incapacidade de compreensão.

Passados os desafios iniciais, é um dos livros mais brilhantes dos últimos anos. O bastante para justificar seu Prêmio Nobel. Mais do que se entregar, é preciso perder o foco nos focos para se entender este brilhantismo.

 
 
 

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